quinta-feira, 17 de junho de 2010

A teologia dos lobos ou o novo Eunuco

Leia no livro de Actos 8.26-39

"Sou eu um alto oficial do governo do meu país, responsável pelas suas finanças  e, simultaneamente, bastante curioso no que respeita a assuntos de carácter religioso. É por isso que certo dia, estando eu longe do barulho da cidade e da azáfama do dia-a-dia, procurando sossego na Natureza, junto a um pequeno riacho, abri a minha Bíblia no Livro de Isaías, no capítulo 53, tentando entender esta passagem que, de acordo com os entendidos nas Escrituras, é uma das mais importantes de toda a Bíblia".
Subitamente não estava mais só. Um homem alto estava diante de mim. Obviamente um homem culto. As linhas de profundas reflexões estavam gravadas no seu semblante e tinha no seu aspecto aquele ar um pouco distraído, típico de um pensador erudito.
"Compreendes o que lês?", perguntou ele num tom simultaneamente culto e autoritário.

"Sim", respondi, acrescentando que havia, previamente, orado por iluminação, reclamando a presença do Espírito Santo tal como é prometido nas escrituras. Mesmo antes que tivesse acabado a minha exposição, eis que ele me interrompe com uma torrente de palavras.
"Tens de entender que «iluminação pelo espírito Santo» é um conceito primitivo que nunca poderá ter relevância na questão teológica. De facto, isso é estabelecer uma dicotomia entre intuição e razão. Hoje em dia, na nossa abordagem aos documentos antigos, que geralmente são classificados com o nome de Bíblia, temos ao nosso dispor ferramentas mais científicas e teológicas do que a piedade fundamentalista que nega a razão e é essencialmente anti-intelectual".
"Tentei dizer-lhe que tinha compreendido que mesmo o entendimento e a razão, que são dádivas maravilhosas e indispensáveis de Deus, devem estar submetidas à acção do Espírito de Deus, mas como ele já se tinha lançado no seu discurso, duvidei que me tivesse escutado".

"Sim", continuou ele, "hoje existe todo um leque de instrumentos académicos que podemos anexar à Bíblia: ciência e filosofia, criticismo literário e a nova historicidade, racionalismo e existencialismo e todas as modernas descobertas da erudição moderna. Assim, sem cair na dicotomia cartesiana, podemos ver como a tensão dialéctica pode ser abraçada, mais do que resolvida, pela técnica da síntese de Hegel. O desenvolvimento do pensamento existencial em curso abriu a via para a uma verdadeira avaliação da base mitológica da nossa fé, dando-nos a capacidade de nos desfazermos dos velhos conceitos da causalidade racional e historicidade tradicional. Para mais, temos a hipótese "darwiniana" que, se assumida como facto, pode adicionar uma nova dimensão à busca do ser e do devir, como também pode acrescentar uma nova direcção à busca de significado. A Verdade está contida no simbolismo mitológico que é encontrado na história imaginária da Bíblia e só pode ser esclarecida à luz da aplicação do método científico. Entendes agora?"

"Desviei os meus olhos do do seu olhar hipnoticamente esgazeado e voltei a olhar para as palavras simples de Isaías 53 e, por um breve instante, notei que o barulho do riacho que corria calmamente junto de nós mais parecia uma série de gargalhadas trocistas. Lentamente levantei a minha cabeça, mas eis que o homem tinha desaparecido. O céu ainda brilhava. Com uma enorme satisfação voltei ao texto de Isaías 53.

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