domingo, 13 de junho de 2010

Pregadores ousados

Fui confrontado numa leitura diária em Marcos 6.14-29 com a falta de ousadia dos arautos contemporâneos. Definitivamente, estamos longe daqueles tempos em que o ideal e as convicções prevaleciam sobre a segurança ou estabilidade pessoais. Estamos longe dos actos de coragem de antecessores nossos que arriscaram tudo, até a própria vida, para proclamar "todo o conselho de Deus", sem rodeios, sem compromissos, sem a preocupação de agradar às massas, sem o medo de se colocarem em posições consideradas perigosas. E é precisamente a Arte do Compromisso, tão querida nas esferas políticas, que vai minando o meio evangélico já por si tão árido e desnorteado. Esse compromisso que consiste em pregar o que as pessoas querem ouvir; que consiste em fazer o que a maioria acha que se deve fazer; que consiste em agir segundo os padrões reguladores da moda, discurso e do "politicamente correcto". No trecho acima assinalado João não se coibia de repreender Herodes pela sua conduta pagã e pecaminosa. Bastante perigoso, tanto mais que naquele tempo o julgamento era imediato, quando o havia, e célere em sua execução. Tal como no tempo de Lutero ou Calvino. Ao contrário daquilo que se poderia imaginar, Herodes temia João, pois sabia que se tratava de um homem "justo e santo" (Prov 28:23 O que repreende ao homem achará depois mais favor do que aquele que lisonjeia com a língua.).

A verdadeira pregação é aquela que fala a Verdade e a Verdade deve ser proclamada com coragem."Un courage indompté, dans les coeurs des mortels/Fait ou les grands héros, ou les grands criminels" (Uma coragem indomável no coração dos homens/Fá-los grandes heróis ou grandes criminosos). Não somente é necessário ter coragem, mas deixar que essa mesma coragem seja guiada pela Verdade. Daí podermos estimar que a verdadeira coragem, que culmina com o auto-sacrifício, será um risco corrido ou aceite sem alguma motivação egoísta. Coragem imoral não é coragem, mas loucura e ela só poderá ser moral quando a colocamos ao serviço de outrem ou na medida em que ela escape ao interesse egoísta imediato. Assim, o medo é egoísmo, a cobardia também o é. Ao contrário, a coragem não é a ausência de medo, mas sim a capacidade de o ultrapassar, quando ele existe, por uma vontade mais forte e generosa. Vontade ditada pela compreensão da Verdade e da Justiça, do dever e do Amor. A pregação corajosa será aquela desprovida de todo o sentimento centrado em si próprio, nas ambições pessoais e nos próprios interesses imediatos. Será uma pregação lúcida e completa; nua e crua.

Todavia, não é menos verdade que o pregador que se conhece a si mesmo, pois conhece a Deus, sabe perfeitamente o que é que ele pode suportar e o que não pode. Os heróis também o sabem quando estão lúcidos: é isso que os torna humildes, em relação a eles próprios e misericordiosos, em relação aos outros. Pregação corajosa não significa pregação louca, pois mesmo a ousadia só pode constituir uma virtude quando temperada pela prudência. Mas prudência, por si só, não pode ser considerada como compromisso. É o que faz a distinção entre o temerário e o louco e que permanece no cimo entre dois abismos: o cobarde é demasiado submisso aos seus medos; o temerário demasiado despreocupado da sua vida. O corajoso é aquele que o quer ser, cuja vontade é conduzida pelo amor à Verdade, conduzida pelo próprio Amor.

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