segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Neo-Calvinismo

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Deparei-me há pouco tempo com a existência cada vez mais acentuada e aceite deste novo (antigo) movimento denominado neo-calvinismo ou, no seu termo original anglo-saxónico, new calvinism. As igrejas adeptas desta forma doutrinal estão cheias e os seus proponentes são considerados por revistas seculares da especialidade como dos mais influentes fazedores de opinião nos círculos eclesiásticos norte-americanos. Os jovens aderem em massa aos encontros, centenas de milhares de downloads de mensagens do género são efectuados, uma imensa rede de recursos eclesiásticos está disponível online, várias igrejas, aparentemente comprometidas com a transmissão de valores cristãos na sociedade, desponta numa sociedade visivelmente pós-cristã e relativista nos seus valores morais e colectivos.
O que é o neo-calvinismo? O termo neo significa novo e o termo Calvinismo é o nome dado ao ramo do Protestantismo que seguiu os ensinos do reformador Calvino. Assim, o termo neo-calvinismo sugere uma forma de Calvinismo diferente do seu significado original.
Deve-se acrescentar que o Calvinismo, na sua origem, foi uma alcunha criada pelos opositores de Calvino e tornou-se, para estes, um termo de sentido pejorativo que qualifica todo aquele que advoga a tão odiada doutrina da predestinação, como se esta doutrina tivesse sido uma invenção de João Calvino. Segundo Kuyper, o vanguardista do chamado neo-calvinismo, o calvinismo pode ser visto como um nome sectário dado aos reformados pelos seus opositores, um nome confessional usado por aqueles que subscrevem a doutrina da predestinação e outras verdades com ela relacionadas, um nome denominacional utilizado pelas igrejas que desejam ser identificadas como calvinistas e um nome científico, seja ele usado num sentido histórico, filosófico ou político.
O neo-calvinismo é uma tendência doutrinária cujo conceito fundamental – e bastante abreviado – é a ideia de que o Calvinismo é mais que os 5 pontos (TULIP), mais que um movimento eclesiástico ou confessional. Kuyper, teólogo, estadista e jornalista holandês, afirmava que o Calvinismo era uma visão do mundo e da vida muito mais abrangente que nos permitia melhor descortinar o sentido da vida. Como cristãos, os calvinistas deveriam trazer os seus princípios para o mundo de modo a influenciá-lo e transformá-lo, redimi-lo e reclamá-lo para Cristo a quem toda a criatura pertence. A soberania de Deus revela-se na sociedade, no Estado e na Igreja. Neste particular é que, segundo as críticas, o movimento em questão difere do Calvinismo clássico. Se bem que Calvino advogava a soberania de Deus sobre tudo e todos, o sistema de Kuyper era já um desvio do pensamento original de Calvino. A fim de convencer os seus oponentes da veracidade da sua nova doutrina, Kuyper utilizou a dialéctica Heggeliana da tese-antítese-síntese. A tensão entre a tese (Igreja) e sua antítese (mundo) significa que a Igreja vive de acordo com o princípio da glória de Deus, enquanto que o mundo, inimigo de Deus, vive de acordo com o princípio da inimizade para com Deus. Poder-se-ia deduzir que não pode haver pontos de intersecção nem de cooperação entre os dois campos em oposição. A síntese encontrada por Kuyper relativamente a estes pontos de tensão transparece no seu estudo sobre a Graça Comum. Segundo ele a graça comum restringe o processo destrutivo do pecado no género humano e habilita o Homem, embora não regenerado pelo Espírito, a desenvolver as forças latentes da Criação e assim contribuir para a realização do mandato cultural divino ordenado antes da Queda. Isto é, os cristãos devem envolver-se com os não-cristãos numa espécie de redenção cultural lutando por melhores condições de vida, promovendo justiça social, defendendo o ambiente, envolvendo-se nas artes e ciência, no desenvolvimento da cultura, dado que ambos gozam da mesma graça comum outorgada por Deus.
Em resumo, esta doutrina da graça comum de Kuyper é o pivô de toda a sua teologia que moldou as mentes de vários responsáveis de igrejas mais contemporâneas: a redenção da cultura segundo o mandato cultural de Deus.
A questão não é discutir se o cristão tem ou não uma tarefa no mundo e na sociedade, mas apenas definir em que moldes essa mesma tarefa deve ser realizada e em que bases bíblicas ela deve ser justificada. Além do mais, esta doutrina na maneira em como está exposta faz-nos pensar numa dupla redenção nos propósitos divinos: os eleitos são trazidos à salvação por Cristo como Mediador e Redentor (graça particular) e o cosmos com todo o seu potencial cultural é redimido por Cristo como Mediador da Criação (graça comum). Tal visão redentora leva-nos a uma visão optimista do mundo e sua cultura, mesmo anti-cristã, e dilui a separação que deve haver entre as trevas e a luz, entre o sagrado e o profano, entre a Igreja e o mundo. Não que Kuyper tenha perdido de vista esta distinção, mas da maneira que a doutrina é exibida e pelo uso que os seus seguidores lhe deram a prática da mesma leva, inexoravelmente, ao mundanismo. A dialéctica de Heggel da tese-antítese-síntese tem dado as suas provas nocivas na sociedade como recentemente se viu na ideologia comunista/socialista. O governo não pode dar para alguém aquilo que não tira de outro alguém. Quando metade da população entende a ideia de que não precisa trabalhar, pois a outra metade da população irá sustentá-la, e quando esta outra metade entende que não vale mais a pena trabalhar para sustentar a primeira metade, então chegamos ao começo do fim de uma nação. O nivelamento que essa ideologia produz inevitavelmente a exaltação da mediocridade em detrimento da excelência. Do mesmo modo, a síntese advogada por Kuyper da redenção da cultura, sendo o Igreja a tese, o mundo a antítese e a sua redenção a síntese, gera uma exaltação do pecado em prejuízo da santidade. Na cruzada pela redenção no mundo, o cristão vai “namorar” com ele, misturar-se e, por fim, mundanizar-se segundo o princípio que é mais fácil colocar fermento na massa do que tirá-lo. Quanto às chamadas “zonas cinzentas” é de realçar que o cinzento apenas é a mistura do branco e do preto.
Os neo-calvinistas constantemente fazem alusão aos puritanos, mas recusam viver como eles ou adorar a Deus como eles faziam: reverente, ordeira e educadamente. Na ânsia de guardar o fundamentalismo teológico do séc. XVI e ser relevantes para o século actual, eles simplesmente vivem a doutrina de uma maneira intelectual e espiritualmente oca. A cultura mundana providencia a sensualidade física e emocional em simultâneo com a exposição da doutrina calvinista da predestinação e eleição que traz um certo conforto intelectual. Calvinismo e o estilo carismático extremista são perniciosamente misturados numa pseudo-adoração que roça o herético e cujos frequentes tons e vocabulário dos discursos do púlpito seriam objecto de repúdio até em qualquer séria estação de TV. É impossível pregar a doutrina puritana sem, simultaneamente, viver (ou tentar viver) a santidade puritana. Eles vivem uma tragédia espiritual esquizofrénica. É que o verdadeiro calvinismo e o mundanismo são opostos e é impossível uma síntese dos dois.
 
Semperreformanda.

5 comentários:

  1. Muito boa a matéria, coloca-se um neo na frente de algo que não precisa, o que precisa é resgatar a essencial do que esta sendo perdido, nada de neo, Calvinismo já basta para mudar e reformar!!!

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  2. Seria então oportuno o aparecimento de uma resenha crítica dos escritos de Kuyper e Bavinck que estão sendo traduzidos para a nossa língua.

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  3. Muito bom o artigo. Só houve uma pequena confusão com o que é descrito como Neocalvinism e New Calvinism. O primeiro termo refere-se ao Neocalvinismo que nasceu no fim do Séc 19 e início do Séc 20 com Abraham Kuyper. O segundo termo refere-se ao Novo Calvinismo propagado por pastores jovens como Mark Driscoll com uma proposta teológica e prática bem diferente do Neocalvinismo de Kuyper.

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  4. A MAIORIA DOS CALVINISTAS NÃO ENTENDEM QUE ESTAMOS EM UM NOVO MUNDO, DIFERENTE DA REFORMA PROTESTANTE E DO TEMPO DE CALVINO QUE NÃO TEVE DE ENFRENTAR A MODERNIDADE E NÃO TEM HOJE DE ENFRENTAR A HIPERMODERNIDADE, BEM PRECONCEITUOSO NO FINAL ESSE ARTIGO, PARA MIM ESTAVA INDO BEM, NEM TODOS OS NEOCALVINISTAS VIVEM UMA ESPIRITUALIDADE OCA COMO DISSE PEJORATIVAMENTE O ARTIGO. VEJO QUE MUITOS CALVINISTAS E IGREJAS CALVINISTAS ESTÃO MORRENDO COM SEU FORMATO DE CULTO QUE NÃO CONSEGUE DIALOGAR COM A CULTURA, E NEM MESMO COM OS JOVENS, FICAM PRESOS EM UMA FORMA DE CULTO, COMO SE A FORMA FOSSE SACRA, O NEOCALVINISMO TEM UMA PROPOSTA PARA ESSA GERAÇÃO QUE ABANDONOU OS ABSOLUTOS DE DEUS E CONSEGUE SER RELEVANTE CULTURALMENTE EXATAMENTE PORQUE BUSCA DIALOGAR COM A CULTURA E APRESENTAR O SENHOR DE CRISTO NA ESFERA PÚBLICA EM TODAS AS ÁREAS E ASPECTOS DO SABER HUMANO. QUE PENA QUE MUITOS CALVINISTAS NÃO RECONHECEM ISSO QUE O NEOCALVINISMO É O CALVINISMO SÓ QUE COM UMA NOVA FORMA ATUALIZADA PARA RESPONDER AOS DESAFIOS QUE OS REFORMADORES NÃO ESTAVAM ENFRENTANDO.

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