sexta-feira, 16 de julho de 2010

Conversão

É recorrente no meio evangélico ouvirmos falar de conversão. Fala-se de convertidos, de conversão, mas pouco ou nada se compreende deste termo. Desde já, conversão, segundo o dicionário, trata-se de uma "mudança de forma ou qualidades sem mudança de substância", segundo o dicionário da Língua Portuguesa, Porto Ediora, 8ª edição. É uma transformação visível da forma, do perceptível, mas sem alteração da substância. O dicionário poderia ser frequentemente utilizado como dicionário cristão, se quisermos compreender o termo conversão à luz do presente século: "mudança da forma sem alteração da substância".

Nada poderia estar mais equivocado se tomarmos o citado termo em função do ensino bíblico. A mudança de forma sem mudança de substância é apenas farisaísmo, "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir aquelas. Condutores cegos! Que coais um mosquito e engolis um camelo" (Mateus 23.23-24). A conversão de que a Palavra fala é um "novo nascimento", uma alteração da substância, um novo Homem, um novo princípio orientador que guiará mente e corpo. Uma nova natureza que será o princípio segundo o qual o novo homem viverá, falará, agirá.

Tão somente compreenderemos esta nova substância, ou natureza, a partir do momento em que a nova vida fluir de uma maneira natural de quem a possui. Muitos pseudo-cristãos têm o modo sem, no entanto, possuírem a sua natureza; têm exterior, mas sem verdadeiro interior; têm forma, mas não o conteúdo. As suas vidas não passam de uma verdadeira esquizofrenia espiritual, uma eterna batalha entre o que é e o que se revela, entre o ser e o parecer. A Lei em todo o seu esplendor: "Não farás! Não serás! Não, não, não..." e tudo isto de acordo com parâmetros bastante assépticos formulados pelas ASAE's que pululam no meio cristão. Conta-se que um Pastor dirigiu uma grande pregação precisamente sobre este tema, numa pequena igreja de província. No final um modesto agricultor dirigiu-se a ele para o cumprimentar e, simultaneamente, convidá-lo para almoçar na sua casa. O grande argumento que convenceu este pastor foi a possibilidade de conhecer o melhor crente da igreja. Durante o almoço o agricultor, a sua mulher e o pastor conversavam e este último não conseguia esconder a expectativa de conhecer este "famoso" melhor crente da igreja que nem sequer tinha ido à reunião de Domingo. Sem poder aguentar mais a sua curiosidade, o pastor pergunta, "Irmão, onde está esse tal crente de que me falou no final da reunião? Gostava muito de o conhecer." O agricultor levanta-se, agarra no braço do pastor e dirigem-se ao curral onde estava um burro velho amarrado. "Segundo a sua pregação de hoje de manhã eis aqui o melhor crente. Repare, não fuma, não bebe, não vai a discotecas, não veste roupa mundana, não sai à noite. Sem dúvida que é um crente maravilhoso".

Touché!

A forma sempre foi uma preocupação doentia daqueles que sabem não ter bastante conteúdo. É a lei da compensação humana: exageramos num sentido quando temos defeito do outro. No cristianismo passa-se o mesmo. Muitos ainda não compreenderam que a conversão, ou novo nascimento, é uma acção do Espírito Santo numa nova natureza em Cristo que nos é outorgada aquando da declaração de justo por Deus no seu tribunal. Quando prestei o meu serviço militar nos pára-quedistas recebíamos um diploma de final de curso, o nosso nome era averbado nos registos oficiais e brevetados. Tínhamos um código de conduta bem específico que deveria ser cumprido à risca sob pena de graves sanções. No decorrer do serviço, todavia, havia homens que não o cumpriam integralmente, não mais que qualquer outro homem de outro qualquer serviço ou arma. Mas não era por isso que ele deixava de ser o que era nos registos oficiais. Foi declarado pára-quedista e o seu registo o provava. Até podia ser uma mau pára-quedista, mas não deixava de o ser. Outros até podiam ter uma melhor conduta, mas não era por isso que se tornavam pára-quedistas. Só o era quem tinha sido declarado como tal. No entanto, o facto de o ser moldava a nossa vontade afim de tudo fazermos para nos comportarmos como tal e honrarmos a farda que envergávamos.

Ilustração frágil, mas não deixa de ser uma imagem do que se passa no nosso meio cristão. Existem os que são e os que parecem ser. Por vezes os que são nem sequer parecem ser, mas acabarão por ser o que já são. Os que parecem ser nunca o serão pelas suas parecenças. Os que se escudam no velho dito "Deus vê o interior" para desculpar a negligência exterior mostram que não têm a vontade moldada segundo o novo princípio de vida. Se somos crentes, a nossa vontade (aquela faculdade, ou princípio da mente, pela qual é capaz de realizar escolhas) é moldada pela nova natureza, cuja mente renovada escolhe fazer a vontade de Deus. O crente luta, guerreia contra outra lei, a dos seus membros, contra outro princípio, o velho, mas o verdadeiro crente acabará por triunfar. Pode até haver indivíduos que se comportem como melhores crentes, segundo os padrões evangélicos, que nem sempre coincidem com os bíblicos, mas o verdadeiro crente está averbado como crente no livro da vida. Ele é declarado justo e, por essa declaração, a sua mente iluminada por um novo princípio de vida, escolherá sempre, ou quererá escolher, o que agradará a Deus. O ser e o devir.

"Pelos frutos os conhecereis!" Sem dúvida, mas o Homem que proferiu estas palavras proferiu estas também "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundície." (Mateus 23.3). A cal branca nem sempre é sinal de vida.

E conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará

“Todos os homens nascem livres e iguais em direitos ” , trata-se do primeiro artigo da declara çã o universal dos direitos humanos e é a no...