sexta-feira, 18 de maio de 2012

Ainda sobre o dia da mãe…

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Mais uma vez devo e vou contra a corrente. Nunca compreendi claramente o porquê dos evangélicos comemorarem em suas congregações um dia dedicado às mães. Por mais que busque uma razão nas Escrituras, a mesma teima em não aparecer. Sempre pensei que os cultos nas igrejas evangélicas deveriam primar pela simplicidade onde Deus e a sua obra deveriam ser o centro das atenções, onde a pregação da Palavra deveria ser fulcral, onde o louvor a Deus deveria ser exercido de uma maneira solene e respeitosa, onde a oração deveria tomar uma posição mais central, enfim, tudo aquilo que Jesus Cristo mais fazia enquanto homem na Terra. Tudo o resto se desnecessário, se não explicitamente ordenado, deveria ser pura e simplesmente erradicado de um culto.


Mas esta é a minha opinião.

Certamente que não é novidade nenhuma a origem do culto à deusa-mãe, que pode ter o nome de Istar, de Cibele, Isis, Astarté, Deméter ou Atagartis… ou Maria, símbolos de fertilidade e abundância, está enraizada na consciência humana desde os primórdios da humanidade baseado nos arquétipos da Mãe e da Mulher. A lógica da vida religiosa é a seguinte: primeiro existem os arquétipos nos inconscientes individuais (Rom. 1); depois praticam-se ritos concordantes com esses mesmos arquétipos. Para um camponês iletrado pouco adianta o que a teologia defina como Deus, se é o Absoluto, o Criador, o Uno ou Trino. Para ele Deus é como o trovão ou como o mar que sugerem ou encerram as qualidades de Deus. O camponês concebe a teologia como uma labiríntica construção intelectual. Para ele as coisas são mais simples: venerando o trovão ou o mar ele venera Deus. Venerando Maria- a ressurgência mais moderna do arquétipo da deusa-mãe – ele venera Deus através da sua mãe utilizando, portanto, o paralelismo humano da influência que uma mãe tem no seu filho.

O culto católico de Maria, os seus dogmas e festas mais antigos, vieram da Síria. É um dado básico da história do cristianismo e escusado será dizer que o culto mariano, ou o culto à mulher, seja ela mãe ou não – aliás o culto à mulher apenas se enquadra na condição de mãe representando a vida, a fertilidade, a abundância – não possui qualquer base teológica. Além do mais, o culto mariano é originado nos apócrifos, sírios e asiáticos (de origem popular), são matricêntricos, enquanto os canónicos são cristocênctricos. O culto a Maria não é cristão-apostólico, não se justifica pelo cristianismo. Com a viragem sociopolítica de Constantino e seus sucessores, a mãe de Jesus herdou os atributos da mãe-dos-deuses Cibele e passou a chamar-se Maria mãe-de-Deus; com o contributo da criadora Iasura ficou mãe do Criador, mãe dos Homens; com os atributos de Cibele Celesti passou a rainha-dos-céus; com o culto de Adónis ficou a  senhora do Pranto, da soledade, da piedade, santa Macarena. Havia que aproveitar a conjuntura política favorável e difundir a religião com o Império. Assim irromperam os culto a Maria e aos santos sendo que a instituição popular das festas populares recaíram dois dias após a natividade de Cristo, no dia 15 do mês de Aiar (Maio) e dia 15 do mês de Ab (Agosto) todas elas relacionadas com a protecção da fertilidade das lavouras e das searas, dos reis e seus reinados. A festa da primeira quinzena de Maio, instituída contra os insectos que destruíam as searas, encontra-se na Pascoela e a sua importância era tal que o rei D. João V solicitou a Roma a sua oficialização ficando o mês de Maio conhecido como o “Mês de Maria” e o “Mês das Flores”   (Moisés Espírito Santo, As Origens do Cristianismo Português, edição do I.S.E.R.). A Imaculada Conceição colocou Maria acima da raça de pecadores de Adão e a Assunção isentou-a da penalidade do pecado, a morte. Contudo, à falta de testemunhos bíblicos que atestassem a virgem sem pecado ou a virgem subida ao céu, a igreja católica-romana não sancionou oficialmente estas doutrinas durante vários séculos pelo que a Imaculada Conceição só se tornou um artigo de fé em 1854 e a Assunção só integrou os cânones em 1950 – ambas as decisões papais basearam-se num reconhecimento de uma paixão dominadora expressa pelos católicos em relação à Madona. Em 1954, a igreja católica-romana declara oficialmente que Maria era a “Rainha dos Céus”, vários séculos depois de este se ter tornado um dos seus títulos mais usados, pois pelo menos desde o século V que a virgem era considerada uma co-redentora e uma intercessora da humanidade junto de Deus. De facto, ela abençoa, faz milagres, inspira multidões de peregrinos e comanda os seus próprios fiéis (Shahrukh Husain, The Goddess, Duncan Baird Publishers, 2001).


Perguntar-me-ão o que uma coisa tem a ver com a outra. O que é que o culto mariano tem a ver com o dia das mães. Na sua origem, eventualmente, não teria nada pois essa origem é evangélica. No entanto eu pergunto: será que um erro só por ter a sua origem numa mente evangélica deixa de ser erro? Sempre achei estranho o facto de se alegar “é evangélico” a fim de se justificar tudo e mais alguma coisa dentro de uma igreja. Cheguei, como pregador convidado, a assistir a um culto deste dia das mães onde um trompetista descrente tocou o “Avé Maria” de Schubert (para encorajá-lo à conversão!!!) ficando sem saber sobre o que é que devia pregar. Aliás, só ao ouvir este homem a tocar me lembrei que era o dia das mães… tudo em nome da paz harmonia e crescimento da Igreja. O dia das mães, estranhamente, é celebrado no segundo domingo do Mês de Maria, ou das Flores, só para não ser confundido com o dia de Maria dos católicos que se celebra uma semana antes, ou seja, é a cronologia que vai isentar de pecado o respectivo dia de festa. Além do mais, esta é uma invenção importada dos E.U.A. como muitas outras infelizes importações ao longo do tempo tais como certos princípios de liderança na Igreja, de marketing na Igreja, do crescimento da Igreja. Como o culto mariano, o dia das mães apenas nasceu devido a vontade da sensibilidade humana, não devido a pesquisa teológica. Como uma multidão de usos e costumes dentro das igrejas evangélicas. O capítulo 2 de Colossenses adverte-nos quanto aos ritos humanos dentro das igrejas que “têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne” (Col. 2:3).

Tal como a decisão papal, a decisão evangélica de se instituir um dia das mães em Maio baseou-se num reconhecimento expresso por uma jovem evangélica em relação à sua mãe. O que não deixa de ser nobre, mas não suficiente para trazer para a Igreja de Cristo ressurgências de cultos idólatras embora inocentemente cobertos com a capa evangélica. Com este precedente tudo pode ser permitido festejar na igreja: tradições pagãs, sincretistas as quais destruirão, certamente, a pureza do culto que deve ser dado a Deus. A Igreja marcará a sua diferença no mundo precisamente por ser diferente, nunca pela adopção ou "evangelicação" dos costumes a ela estranhos.

Se gosto da minha mãe? Claro que sim. Para mim o dia dela são os 365 dias do ano...

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