segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Relativismo 2 – Influência Cultural

Um segundo argumento para o relativismo é o argumento do relativismo cultural. Este argumento parece inexpugnável. A alegação é que antropólogos e sociólogos descobriram que o relativismo moral não é uma teoria, mas um facto empírico. Diferentes culturas e sociedades, como indivíduos diferentes, simplesmente, têm valores morais muito diferentes. Em Portugal a pena de morte é errado; em certos estados dos E.U.A é correcto. Na cultura contemporânea a fornicação é correcto; nas culturas cristãs a fornicação é errado. E assim por diante.

Descartes refere no seu “Discurso do Método” que "não existe nenhuma ideia tão estranha que algum filósofo não a tenha seriamente ensinado". Da mesma forma, não há nenhuma prática tão estranha que não tenha sido legitimada por algumas sociedades, tais como genocídio, ou canibalismo; ou, tão inocentemente, que algum grupo não tenha proibido, por exemplo, entrar num templo religioso com ou sem chapéu. Portanto, quem pensa que os valores não são relativos para culturas é simplesmente ignorante relativamente aos factos, reza assim o argumento.

Nem sempre é certo obedecer à cultura


Para ver a falácia lógica nesse argumento aparentemente inexpugnável, temos de olhar para a sua suposição tácita — que esse acerto moral é uma questão de obediência aos valores culturais. Que ele tem razão em obedecer aos valores da cultura. Sempre. Só se combinarmos essa premissa oculta com a premissa do declarado — que valores são diferentes com culturas — podemos chegar à conclusão de que o acerto moral é diferente segundo as culturas. Que o que está errado numa cultura está certo noutra. Mas, certamente, esta premissa oculta é uma falácia da petição de princípio (provar um argumento através da sua conclusão). Pressupõe o relativismo moral que é suposto provar! O absolutista nega que se tem razão a obedecer sempre aos valores da cultura. Ele tem um padrão transcultural pelo qual ele pode criticar os valores de uma cultura no seu todo. É por isso que ele poderia ser considerado um progressista, enquanto que o relativista só pode ser considerado como alguém com um status-quo conservador, não tendo nenhum padrão mais elevado do que a sua própria cultura. Meu país, certo ou errado. Apenas a maciça, mediática, propaganda mentirosa poderia confundir as mentes das pessoas que pensam espontaneamente o oposto. Mas, na verdade, é apenas o crente à moda antiga, cumpridor da lei moral natural, que poderia ser um radical social e progressista. Só ele pode dizer a um Hitler, ou um Saddam Hussein, "você e toda a vossa ordem social estão errados, são perversos e merecem ser destruídos." O relativista poderia apenas dizer: "Modas diferentes para diferentes pessoas e acontece que eu odeio as suas e prefiro as minhas, mas isso é tudo”.

Temos de distinguir as opiniões de valor subjectivo das de valores objectivos


A segunda fraqueza lógica do argumento sobre o relativismo cultural são os seus equívocos sobre o termo "valores". O Absolutismo moral distingue opiniões subjectivas sobre valores verdadeiramente objectivos. Assim como ele distingue verdade objectiva de opiniões subjectivas sobre Deus, ou sobre a vida após a morte, ou sobre a felicidade, ou sobre os números, ou beleza, só para ter cinco outras questões não-empíricas. Pode ser difícil, ou mesmo impossível, provar estas coisas ou alcançar a certeza sobre elas ou mesmo conhecê-las na sua totalidade. Mas isso não significa que eles sejam irreais. Mesmo que essas coisas possam não ser conhecidas, não significa que elas não existam. E mesmo que elas não possam ser conhecidas com absoluta certeza, não significa que eles não possam ser parcialmente conhecidas por parecerem certas. E mesmo que elas não possam ser provadas, não significa que elas não possam ser conhecidas com  absoluta certeza. E mesmo que elas não possam ser provadas pelo método científico, não significa que não possam ser provadas. Eles poderiam ser reais, mesmo se desconhecidas; conhecidas, mesmo se não absolutamente conhecidas; certamente conhecidas, mesmo se não provadas; e provadas, mesmo se não cientificamente provadas.

O equívoco básico no argumento do relativista cultural é entre valores e opiniões de valor. Culturas diferentes podem ter opiniões diferentes sobre o que é moralmente valioso, assim como elas podem ter opiniões diferentes sobre o que acontece após a morte. Mas isso não implica que a conclusão de que o que é realmente certo numa cultura seja realmente errado noutra, não mais do que diferentes opiniões sobre a vida após a morte impliquem a conclusão de que coisas diferentes realmente acontecem após a morte, dependendo de crenças culturais. Só porque eu creio que não há nenhum inferno não prova que não há nenhum e que eu não vá para lá. Se assim fosse, uma maneira simples e infalível de ser salvo seria simplesmente parar de acreditar no inferno. Da mesma forma, só porque um nazi acha que o genocídio é correcto isso não constitui prova que o é, a menos que nada seja bom ou mau e que apenas o pensamento ajuíze. Essa é a conclusão do relativista.Também não pode ser a sua premissa sem a justificar pela sua conclusão.

As culturas não diferem totalmente


Há ainda outro erro no argumento do relativista cultural. Parece que praticamente tudo o que possivelmente pode ser errado com um argumento é errado com este. O argumento dos factos não tem sequer seus factos correctos. Culturas não diferem, na verdade, totalmente sobre valores mesmo se o termo “valores” é levado a significar apenas opiniões de valor. Nunca nenhuma cultura existiu que acreditasse e ensinasse o que Nietzsche chamou uma “Transvalorização” de todos os valores. Houve diferenças de ênfase, por exemplo, na coragem como virtude mais valorizada pelos nossos ancestrais do que nós, enquanto nós valorizamos a compaixão mais do que eles fizeram. Mas nunca houve qualquer coisa como o relativismo de opiniões sobre os valores que o relativista ensina como história factual.

Basta imaginar como seria. Tente imaginar uma sociedade onde a justiça, honestidade, coragem, sabedoria, esperança e auto-controle fossem consideradas moralmente maus. E a falta restrições do egoísmo, covardia, preguiça, traição, vício e desespero foram considerados moralmente bons. Tal sociedade nunca existiu à face da Terra. Se existir em qualquer lugar é só no inferno e suas colónias. Apenas Satanás e seus adoradores dizem "mal, tu és o meu bem". Há de facto importantes desacordos sobre valores entre culturas. Mas subjacente a todos os desacordos sobre valores menores sempre existe um acordo sobre os valores mais básicos. Sob todas as divergências sobre a aplicação de valores em situações concretas — por exemplo, a pena de morte — sempre existe o acordo sobre valores absolutos — por exemplo, assassinato é mau uma vez que a vida humana é boa. Além do mais, desacordos morais entre culturas, bem como entre indivíduos, seriam impossíveis a menos que haja alguns acordos morais mais profundos, algumas premissas morais comuns. Os valores morais são para as leis de uma cultura o que, algo assim parecido, os conceitos são para as palavras. Quando visita um país estrangeiro, você experimenta o choque inicial. A linguagem é totalmente diferente. Mas, de seguida, sob as palavras diferentes você encontra conceitos comuns. E isso é o que possibilita a tradução de um idioma para outro. Analogamente, sob diferentes legislações sociais, encontramos leis morais humanas comuns. Encontramos uma moral semelhante sob diferentes costumes. O acordo moral entre Moisés, Buda, Confúcio, Lao Tzu, Sócrates, Salomão, Jesus, Cícero, Maomé, Zoraster e Hammurabbi é muito maior do que suas diferenças morais.

(Adaptado)

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