domingo, 30 de outubro de 2011

O individualismo ameaça a igreja católica-romana

index2http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?&id=87944

Segundo esta notícia, a igreja católica-romana, esmagadoramente maioritária em Portugal, vê-se ameaçada pelo individualismo, imediatismo e tolerantismo. “O “individualismo”, “imediatismo” e “tolerantismo” constituem “grandes desafios” ao catolicismo em Portugal, afirmou esta sexta-feira o bispo do Porto numa conferência realizada na Fundação Inês de Castro, em Coimbra”. D. Manuel Clemente, o historiador e autor do artigo, afirma ainda que “a revisão constante de certezas adquiridas, a desconfiança pós-moderna em relação às pré e meta narrativas” e a “comercialização geral e publicitária dos gostos e comportamentos” contribuem para que o catolicismo sofra “uma erosão permanente”. Na sua opinião relativamente à tolerância, virtude cujo sentido primário se desvaneceu e cuja importância histórica tem sido corrompida ao ponto de não mais se poder chamar de tolerância, mas tolerantismo, ou abandono do campo, o autor dá-se conta de que o Cristianismo está profundamente refém do conceito pós-moderno do mundo cujo desfecho tem sido a erosão permanente não só da instituição religiosa que dá pelo nome de igreja católica-romana, mas do Cristianismo em geral.

Primeiramente cabe salientar que a igreja católica-romana sempre teve uma presença bastante vincada na sociedade lusa. Ela revela-se sempre através da História com uma hierarquia eclesiástica bastante confundida com a sociedade imperial, ou real, onde a diminuta classe dirigente gozava na igreja de um estatuto especial e favorecido face aos cidadãos das classes mais baixas. Esta promiscuidade é bem patente num passado recente através do triunvirato Salazar, Presidente da República e Cardeal Cerejeira. Falemos pois da intolerância respeitante aos livres-pensadores do séc. XVI que blindou a península Ibérica das transformações operadas pela Reforma em outros países da Europa: a liberdade moral, a elevação da classe média e a Indústria. Falemos desse absolutismo intolerante cristalizado no concilio de Trento que veio, tal como a instituição, a transformar e confundir o sentimento cristão na instituição católica. Falemos desse triunfo desta opinião absolutista que empederniu a igreja instituída na esperança de a solidificar e que constituiu “uma verdadeira calamidade para as nações católicas” (Antero de Quental). Falemos dessa tradição que, num símbolo terrivelmente expressivo, apresenta-nos Camões, o cantor das glórias passadas que nos empobreceram devido à centralização de recursos e riquezas, mendigando para sustentar a velhice triste e desalentada, a imagem da nação que esquece que Portugal, o Portugal das conquistas “cristãs”, é esse guerreiro altivo, nobre e fantástico, que voluntariamente arruína as suas propriedades para maior glória do seu idealismo poético-cristão.

O catolicismo absolutista gerava, inevitavelmente, o espírito aristocrático, com o seu cortejo de privilégios, de injustiças, com o predomínio das tendências guerreiras (leia-se prosélitas) sobre as industriais. A influência do espírito de intolerância absolutista e dogmático na sua doutrina falseada, nomeadamente na soteriológica, cria uma indiferença pela filosofia, pela ciência, pelos movimentos moral e social e mergulha a sociedade num sono anedótico, num torpor ridículo face às transformações num continente marcado pela Reforma e suas consequências.

A nossa fatalidade é a nossa História.

Todavia, e paradoxalmente, é este conservadorismo religioso que promove a hierarquia, a disciplina, a ordem que a autoridade se encarrega de assegurar, os dogmas que, de uma maneira firme, regulam a vida, a menina-dos-olhos dos homens dos séculos XVI e XVII cuja crença se baseia no direito divino, se bem que conforme os ditames da instituição religiosa reinante, que guarda o pensamento social do direito natural ditado pelos homens do Renascimento cujo o seu primeiro amor é o ódio pelo constrangimento, a autoridade, os dogmas e cuja linha de pensamento desembocará na adoração pelo Natural, pela tolerância universal, pelo Homem como ponto de aferição nas artes, ciência e letras, pela guerra à tradição e pelo sonho de uma era de paz, prosperidade e iluminação fundadas sobre a razão e a ciência. Neste momento a igreja católica-romana é apanhada na sua própria armadilha. Intolerante, produz intolerância; arrogante, produz arrogância. O homem pós-moderno ciente da sua liberdade, ainda que ilusória, parece ter consciência e permissão de tudo negar, de tudo intolerar, de tudo questionar. D. Manuel Clemente discerne um risco social, mas este risco não faria sentido numa sociedade tradicional, pois risco não é sinónimo de acaso ou perigo. O risco tem a ver com perigos calculados em função das probabilidades futuras. Apenas tem uso numa sociedade voltada para o futuro e implica a existência de uma sociedade ansiosa por se desligar do passado que é, na realidade, a primeira característica de uma sociedade industrial. Preso durante séculos à hegemonia católica-romana, Portugal tem-se libertado, por assim dizer, dos dogmas poeirentos e autoritárias do clero que tudo supervisiona, tudo controla. A emenda tornou-se pior que o soneto. Repentinamente, desligado do seu passado pela revolução dos cravos produzida por uma ideologia liberal de esquerda, ansiosamente à procura de uma Europa industrial e progressista, Portugal encontra-se na arena europeia sem, contudo, estar preparado para tal. Como um indivíduo há muito privado de alimento, este país sofregamente comeu de tudo o que lhe era oferecido, sem limites nem constrangimentos correndo o risco de morrer pela sua própria avidez. A matriz religiosa cristã cujos princípios ainda nos blindavam das investidas humanístico-liberais do demasiado livre-pensamento europeu desapareceu, foi vomitada em favor da “televivência”, do relativismo, da normalização do “mal”, da privatização social, da embriaguez do entretenimento. A igreja católica-romana tem razão em se inquietar.

Os tempos em que vivemos não são propícios nem para os católicos, nem para os evangélicos, nem para ninguém que ouse pronunciar o nome de Cristo ou Deus. De imediato os fantasmas passados da intolerância e autoritarismo dogmático ressurgem. O individualismo é, indubitavelmente, um dos maiores obstáculos à pregação e catecismo dos indivíduos. O individualismo, fruto da privatização dos usos e costumes numa democracia doente e passiva torna o indivíduo amorfo, invejoso e sempre inquieto continuamente promovendo a ideia própria, individual. Falta de debate (o português não é dado ao debate, à troca de ideias) raramente o individualista se dispõe a ouvir, quando ouve, e muito menos a aceitar argumentos que pela sua lógica e coerência poderiam ser no mínimo alvo de pesquisa e reflexão (o português também não aprecia muito este trabalho). “Sempre se fez assim”, é o refrão. “Eu penso assim, tu pensas assado, cada qual na sua” lembra-me um corinho da escola dominical cujo refrão era “Eu no meu cantinho e tu no teu”. Longe estaria eu de pensar que esse coro revelava mais do que eu estimava. O individualismo e a tolerância mal direccionada têm feito muitos estragos na Igreja Evangélica em Portugal. Raramente nos incomodamos com a saúde espiritual do próximo (alegamos que não nos diz respeito), assim como não admitimos que não se preocupem com a nossa (apenas quando andamos “mal”, pois quando achamos que andamos bem somos os primeiros a autopromovê-la…). Raro e o responsável cristão que se arrisca a queimar as vestes para salvar alguém do fogo. A Igreja evangélica vive num torpor religioso onde o importante não é o pecado, mas que os outros saibam que se peca. O sentimentalismo conquistou o púlpito, o lugar mais importante numa igreja, o louvor passou a disciplina obrigatória ao invés da pregação e o entretenimento substituiu o tempo de oração e adoração. O individualismo fez com que mais nada me importe do que a minha pequenina pessoazinha mesquinha e egoísta. Proclama-se a moral de Deus sem o Deus da moral como se os grandes pecados mortais fossem o fumar e o beber (coisas que se vêem) e não o interior moralmente depravado do ser humano que gera toda a espécie de concupiscência e que nos tende a adorar a criatura ao invés do seu Criador.

Quando, pela sua Palavra pregada com poder, o Espírito Santo agir nas consciências dos indivíduos então não teremos mais nada a temer do individualismo, nem do pós-modernismo, nem do relativismo. Mas nessa altura o D. Manuel Clemente terá uma razão mais válida para se inquietar, pois Roma cairá.

Ecclesia semperreformanda est

Sem comentários:

Enviar um comentário

E conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará

“Todos os homens nascem livres e iguais em direitos ” , trata-se do primeiro artigo da declara çã o universal dos direitos humanos e é a no...