Grande parte dos argumentos apresentados pelos proponentes
de mudanças drásticas na liturgia, música e estilo na Igreja de Cristo provêm
da teoria das zonas cinzentas. Segundo eles, as zonas cinzentas, áreas de
incerteza prática e/ou teológica são um justificativo para operar medidas de
transformação no que etiquetam de velho, rotineiro ou desmodado. Consciente ou
inconscientemente – esta última devido a deficiências no ensino bíblico – os actores
da igreja contemporânea elegem esta última como um palco por excelência para as
suas actividades modernas em busca de granjear mais e mais indivíduos para os
bancos da Igreja. O que não têm noção é que o cinzento é apenas a mistura do
branco e do preto que povoa o texto bíblico desde o Génesis até ao Apocalipse e
que Deus explana todo o seu ensino em termos dualísticos, ou seja, em branco e
preto: bênção/maldição, amor/ódio, vida/morte, pecado/santidade, Deus/diabo,
bem/mal.
Sob pretexto de “querer” salvar ou contribuir para a
salvação de almas, o crente contemporâneo faz uso de toda a panóplia de
técnicas e recursos existentes que bastantes provas têm dado no mundo das
vendas e do marketing. O refrão é: “não
devemos chocar os descrentes”, “devemos
dar-lhes o que eles querem”, “devemos
fazer com que a Igreja seja um local prazenteiro para eles”. Bastante
pragmáticos, eles acarinham a máxima de que “os fins justificam os meios”.
Mas será que os fins
justificam os meios?
Spurgeon escrevia que “se
um acto pecaminoso incrementar a minha utilidade dez vezes mais, eu não tenho o
direito de o praticar; se um acto piedoso parecer destruir toda a minha
utilidade, ainda assim tenho de o praticar”. Os fins justificam os meios? O
facto de que haja conversões (e que as mesmas terão de ser testadas pelo tempo
e pelos frutos) em concertos cristãos, teatros cristãos e outras actividades
etiquetadas de cristãs não legitima, forçosamente, essas mesmas actividades.
Deus salva apesar do nosso comportamento errado e não por causa do nosso
comportamento errado.
Uma das premissas destas actividades ditas de evangelização
é a de alcançar o mundo. Ora, embora tendo em conta a vocação missionária que
cada crente deve possuir ela não deve ser o principal pilar da nossa vida
cristã, pois quando o alcançar os outros se torna o nosso objectivo principal o
exagero estará presente e justificará seja o que for. O missionar faz parte da
vida do crente, mas o servir a Deus é o principal motivo da salvação (Heb.
9:14) e o servir a Deus é muito mais abrangente que o simples alcançar o mundo.
Este apenas faz parte daquele.
Frequentemente ouvimo-los a argumentar que devemos ser tudo
para com todos ou que Jesus se misturava com os pecadores. É verdade, mas não
está escrito em lado nenhum que Jesus pactuou com a iniquidade ou sequer tenha
copiado as modas dos ímpios. Por outro lado, num sentido mais prático, devemos
tomar drogas para ajudar os drogados? Divorciarmo-nos para ajudar os divorciados?
Embebedar-nos para ajudar os alcoólicos? Entregar-nos à luxuria para ajudarmos
os viciados em sexo? Roubar para ajudar os ladrões? Praticar a homossexualidade
para ajudar os gays? Ir preso para ajudarmos os presos? Georges Bernanos,
escritor francês, 1888 – 1948, escreveu: “o
primeiro sinal de corrupção numa sociedade ainda viva é o pensar que o fim
justifica os meios”. O fascínio exercido pelo mundo na Igreja faz com que
esta se arraste atrás dele, dos seus métodos, dos seus princípios, dos seus
critérios de sucesso. Aliás, é fácil saber o que a Igreja vai fazer amanhã se
atentarmos ao que o mundo faz hoje! Todavia, o objectivo da missão cristã não é
o sucesso, mas o testemunho fiel, não o poder, mas a proclamação do Evangelho,
não a técnica, mas a Verdade, não o método, mas a mensagem.
Deus olha para o interior e o homem apenas vê o exterior.
Parcialmente verdade. O homem consegue ver interior a partir do fruto exterior
e quando este argumento é utilizado para dar largas à modernidade devemos atentar
para o facto de que o nosso interior é, frequentemente, enganoso, mais que
tudo. A boa consciência não é per si
um livre-trânsito a todas as nossas acções, pois ela não é rainha, apenas
sentinela. Ela é como um cão de guarda que pode ser bem ou mal treinado e
ladrará ao intruso na medida em que para tal se treine. Se se acostumar a ele,
rapidamente deixará de lhe ladrar e o que era intruso se tornará amigo. De boas
intenções está o inferno cheio, reza um ditado popular. E são estes motivos
alegadamente puros e isentos de qualquer tentativa de análise (sinal da
pós-modernidade) que estão na base dos justificativos da entrada das modernices
na Igreja. Talvez admito que as intenções puras sejam puras, mas os motivos
puros nem sempre são os correctos. Uzá tentou segurar a arca de Deus para ela
não cair (1 Cró. 13:9) e Deus se irou contra ele e o matou. Boa intenção, má
acção. Os muçulmanos são sinceros, mas estão sinceramente errados. Além do
mais, Deus não se agrada de qualquer oferta que lhe seja dada por melhores intenções
que estejam por trás. Não aceitou a oferta de Caim, não aceitou o “fogo estranho” de Nadab e Abiú (Lev.
10:1-2). Que eles pensassem que estavam a servir a Deus em espírito e em
verdade por si só é irrelevante. Eles ofereceram desobediência e não foi
considerado por Deus como um culto aceitável. “A nossa preocupação não deve ser de saber se Deus está do nosso lado,
mas de estar do lado de Deus”, disse Abraham Lincoln, “pois Deus está sempre certo”. Sinceridade não basta e, tal como os
bons motivos, ela nunca foi um teste à verdadeira espiritualidade.
Alegados resultados não significam, necessariamente, que
Deus esteja por detrás deles: “Nem todo o
que diz Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus”. Cristo advertiu que
muitos seriam enganados por falsos profetas e falsos cristos. “Pelos frutos os conhecereis”. Que frutos
são estes? Viver em santidade e em conformidade com a Palavra escrita,
inimizade para com o pecado e suas tendências. No entanto, os falsos profetas
se escudam nos seus “frutos” de quantidade e números para se justificarem
afastamento da boa doutrina e vida santa. “Naqueles
dias não havia rei em Israel; cada um
fazia o que parecia bem aos seus olhos.” (Juízes 17:6). A oração, mesmo
quando acompanha estas actividades, nunca é um substituto da obediência. Orar
por um avivamento e não obedecer àquilo que nos é ensinado pelas Escrituras
sobre esse mesmo avivamento é tão-somente um gastar de palavras que nada
satisfaz os nossos desejos.
“Os velhos cânticos são demasiado bíblicos. Não têm ritmos
que nos façam mexer. Dêem-nos ritmo que mexam com os nossos corpos e não
conceitos que mexam com os nossos corações e mentes”. A mente já não quer
pensar, apenas o corpo quer sentir. A religião passa de um conjunto de verdades
objectivas apreendidas pela mente e coração para um conjunto de compassos e
actividades que mexem com os sentidos. A vulgaridade destronou a excelência, o
exagero destronou a sobriedade, o mundanismo tomou o lugar da santidade. O
diabo providenciou inúmeras alternativas ao novo nascimento e as multidões
estão confusas por falsas profissões de fé e de doutrina. Tenhamos a certeza
que não importa que nos falem de um grande avivamento espiritual, ou da acção
do Espírito de Deus em algum lugar, ou se multidões estão envolvidas, ou se o
louvor é fervoroso e eficaz; não importa o alegado “sucesso” de qualquer alegado
obreiro de Deus. Se a cruz de Jesus Cristo não for a porta através da qual o
pecador entra… não é a obra de Deus! E a cruz de Cristo é uma coisa, o bezerro
de ouro é outra… diametralmente diferente.
“Examinai tudo.
Retende o bem. Abstende-vos de toda a aparência do mal.” (1 Tess. 5:21-22)
“Ai dos que ao mal
chamam bem, e ao bem mal; que fazem das trevas luz, e da luz trevas; e fazem do
amargo doce, e do doce amargo!” (Isa. 5:20)
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